20/11/09

Poemas de Amigos - Vera Diogo

Sede


Dá -me água.
Não tenho sede.
É só mais uma daquelas noites em que não consigo estar acordada.
Mas agora não estou a dormir.

E tu?
Já dormiste tudo?
Já dormiste sobre todas as tuas frustrações??
Se calhar sou eu que trago demasiadas chagas ou tenho uma peculiar capacidade para me aperceber delas…
Se calhar, sou eu.

Porque digo isto?
Porque haveria de dizer outra coisa?
Que outra coisa?
Alguma coisa que fosse menos subjectiva…alguma ideia que não fosse obscura?
É muito tarde para isso. E é muito tarde para pensar que poderia ter sido de outra forma.
Mas afinal, o que é que aconteceu?

Quantas pessoas estão dentro do eu?
Quantas vozes terei de ouvir sussurrar no meu íntimo e quantas canções hão-de cantar nos meus sonhos…até que possa finalmente ouvir a tua voz.
Tu, alguém que não está aqui. Alguém que não posso encarnar. Vida, não personagem.

Tenho sede!
Não há água.
Que horas são?
Horas de dormir?
Horas de ir embora… qualquer hora é sempre uma boa hora para começar a viagem.
Viagem para onde?
Viagem!

Quantas palavras se repetirão eternamente na minha mente, quantas ideias serão potenciadas até ao mais sublime da sua essência? Até que, finalmente, algo se torne realidade?
Mas tu não queres uma realidade qualquer.
A realidade é uma pedra.
Tu queres um cristal luminoso!

Com quem continuas a falar?
Com alguém que continua a responder.
A perguntar!
Deste lado não há respostas
Do outro lado do mundo haverá mais?
Ou apenas mais perguntas?

Cedo acabarás por descobrir que as perguntas são as mesmas
Tal como as respostas… escasseiam por toda a parte
Cada um terá as suas, supõe-se.
E quem está lá para as verificar? E quem seria qualificado para isso? Ninguém as pode viver.
Ninguém.
Não há mais ninguém aqui….
Não existe criatura que possa entrar aqui, tão próximo… tão longe do que me prende ao chão.

Ainda tenho sede.
Mas não há nenhum líquido no mundo capaz de a saciar…

Já dormiste tudo??
Que mundo é esse em que vives e dormes, e onde não sei se sabes que existes?

Eu acordei as palavras para me embalarem nesta noite de silêncios e ruídos, como todas as noites… mas numa noite, como muitas, em que o meu ser se ouve mais alto. E, tantas vezes, não sei como o escutar! Não sei que língua fala ou por onde se move.
Está aí… sei que está aí, aqui… onde quer que eu esteja. E respira.
Não sei ao certo por quantas vidas respira…
Há-de respirar pela paz que me adormecerá o espírito… há-de respirar pelo desejo que me atordoa… há-de respirar pela esperança, pelo sonho, pelo drama, pela dor…pelo amor que deveria resumir tudo…

Mas hoje não está uno.
Sinto-me múltipla e contraditória, provavelmente capaz de saltar barreiras…


Não tens sede?

Por Vera Diogo (Porto - Portugal)
Imagem de Alexey Kekin

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